sábado, 6 de junho de 2009

Do etnocentrismo para o etnocristismo: pelo fim da verdade violenta!

Etnocentrismo é um conceito antropológico, segundo o qual a visão ou avaliação que um indivíduo ou grupo de indivíduos faz de um grupo social diferente do seu é apenas baseada nos valores, referências e padrões adotados pelo grupo social ao qual o próprio indivíduo ou grupo fazem parte. O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denomindada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais. O costume de discriminar os que são diferentes, porque pertencem a outro grupo, pode ser encontrado dentro de uma sociedade.
Esta perigosa tendência encontra muita abertura no universo religioso. Os conflitos religiosos ao longo da história, que produziram tanta violência, torturas, ódios sangrentos foram resultados de comportamentos estupidamente etnocêntricos, marcadamente obssessivos em torno de uma verdade, fechada em si mesma, incapaz de perceber o valor do outro, sua importância, sua história e suas verdades.
Não há problema algum que se tenha um conjunto de idéias-verdades, e que estas sirvam como identificação para uma experiência de fé cristã, isto não é problema, mas torna-se problema quando este conjunto de pretensas verdades, sente-se absoluto, único e exclusivo. Jesus Cristo, jamais assumiu uma postura etnocêntrica, porque ele sabia que ela culminaria sempre no abandono e na exclusão do ser humano e na insurreição do ódio coletivo, perigosíssimo em sua característica peculiar de fugir ao controle das pessoas.
Quando os discípulos de Jesus e o próprio Jesus foram rejeitados por samaritanos, visto que judeus e samaritanos viviam numa ‘birra’ histórica, marcada por desprezos e acusações recíprocas, os discípulos quiseram usar o poder da verdade que possuíam, (verdades que cabiam apenas em suas cabeças) para destruir samaritanos, queriam ordenar a Deus que enviasse fogo do céu para os destruir, estavam tomados de etnocentrismo e Jesus lhes respondeu, vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los (Lc. 9.55).
Jesus chamou à atenção dos seus discípulos para o não ódio, a não discriminação, para as ‘não fobias’ de uma maneira muito dura, chegando a afirmar que os discípulos não sabiam de que espécie de espírito eles eram...percebe-se que não é somente estar ao lado de Jesus Cristo como estavam os discípulos, mas é preciso tornar-se semelhante a Jesus Cristo, isso sugere abandonar a postura etnocêntrica, que está sempre impregnada de uma verdade violenta. Uma verdade perde valor quando ela serve apenas como instrumento de violência, aliás sequer podemos chamar isso de verdade, posturas radicais são sempre perigosas porque discriminam, excluem, eliminam, matam, agridem a vida humana, pessoas assim, ou uma religião assim, ou mesmo uma cultura social assim, preferem suas verdades do que a preservação do outro, ressalte-se aqui que, preferem ‘as suas verdades’, estas podem estar muito distantes da verdade de Jesus Cristo. Dizia o Nietzsche filósofo alemão do século XVIII que, não a dúvida, mas a certeza é quem faz loucos...
Para Nietzsche, a boa verdade seria aquela capaz de permitir constantemente a visita da dúvida, suas certezas isentas da obssessão exclusivista, dogmática, poderiam viver em contínuo diálogo com os arremates da razão, evitando assim o fanatismo, os fundamentalismos e a verdade não se tornaria esse instrumento torturante, pesado e castrador da liberdade humana.
Nestas linhas nietzscheanas, ainda pode-se fazer inferência ao dilema fé e dúvida. Daqui decorre e é fato que, sempre que uma fé impossibilita o bom uso da razão, a salutar presença da dúvida, torna-se fé alienante, fé cega, fé para matar, como ressaltou Jesus Cristo aos discípulos, uma fé desse tipo, não sabe de que espírito provém.
Um pensador bastante interessante nos tempos atuais atende pelo nome de Gianne Vattimo. Em Depois da cristandade, Vattimo ressalta sua preocupação em torno de uma interpretação literal e autoritária das escrituras, essa é uma hermenêutica que sem dúvida alguma, torna-se fonte originária de verdades violentas, de crenças cegas. Para ele, o único critério fundamental oferecido pela tradição cristã, deveria ser resgatado da hermenêutica agostiniana ama et fac quod vis: ame, e faça o que você quiser, nas palavras de Vattimo, Este não é de forma alguma um critério genérico e vago. Pensemos na grande pregação moral da Igreja católica: uma ética sexual que esteja atenta ao amor e não somente presa às estruturas tradicionais da família, não dominada pelo princípio da reprodução, é algo que, certamente, não fere o mandamento da caridade e, no entanto, o ensinamento eclesiástico continua a se opor a ela por meio de uma disciplina fundada na letra de certos textos bíblicos (a destruição de Sodoma e Gomorra por exemplo).
Abandonar o comportamento etnocêntrico é fundamental se quisermos viver uma experiência etnocrística, esse foi o termo que encontrei e, com ele quero apenas refutar e desconsiderar possíveis comportamentos etnocêntricos gerados por evangélicos no Brasil, desde o chute universal na santa padroeira do Brasil, fato ocorrido no final dos anos 80, passando por pregações recheadas de verdades violentas, tomadas por exemplo de teor homofóbico, de demonização de culturas, cansativas de condenações e acusações para estas ou aquelas categorias de pessoas, como se certos anunciadores de violências fossem capazes de desnudar tamanho mistério apenas com seus ódios evangélicos ao outro diferente, este outro, que com muitas boas doses de razão, gosta muito de Jesus Cristo, mas não suporta mais verdades institucionais, discursos pseudo verdadeiros e fé às cegas.
Pensar etnocristicamente, neste contexto, pretende evocar o princípio do amor e da tolerância às culturas outras experimentado por Jesus Cristo, afim de que, o seu seguimento no acontecimento da comunidade de fé, sinta-se desafiado ao modelo da experiência humana do Jesus Cristo, tendo-o definitivamente como centro de sua vivência na sociedade, respeitando às culturas outras, o outro diferente, suas histórias, suas crenças, suas condições reais e concretas, abrindo mão de verdades violentas, e posturas etnocêntricas tais como: demonização às religiões afro brasileiras e condenações às minorias discriminadas, num tempo em que emerge urgentemente falar de uma verdade que de fato salve a vida dos homens e das mulheres, uma verdade isenta de ódio, capaz de acolher, de preservar a identidade do outro, numa fé que possui intereiza de sua origem, sabe de que espécie de espírito provém, do Jesus Cristo, o amor que salva!

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